terça-feira, 5 de agosto de 2014

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AS ORIGENS DO TRABALHISMO NO BRASIL




Fábio Melo*



O trabalhismo brasileiro surge como uma corrente política juntamente com os avanços do processo de industrialização no país, a partir da década de 1930. Nesta época as revindicações operárias se tornam cada vez mais constantes no cenário político nacional.
As raízes do trabalhismo brasileiro, entretanto, devem ser buscadas na virada do século XIX para o século XX. É neste período que emergem entre os (até então poucos) operários nas grandes cidades as lutas por melhores condições de trabalho. Estes operários são influenciados basicamente por 3 ideologias que tem origem na Europa: o mutualismo, o socialismo e o anarquismo. Até 1917, é o anarquismo que ganha os corações e as mentes do movimento operário. As greves deste ano, que estouraram no Brasil inteiro, foram lideradas por anarquistas. Nada mais apropriado, afinal o Estado brasileiro foi feito para poucos. As oligarquias governam o país como se governassem uma empresa privada. Não havia qualquer tipo de amparo social deste Estado para com os trabalhadores – as jornadas de trabalho chegavam a durar mais de 12 horas e após anos trabalhando não se tinha qualquer tipo de previdência social. A Revolução Russa (1917), modificou as ideias de muitos líderes anarquistas. Para estes, o movimento operário não deveria mais acabar com o Estado, mas tomá-lo. Foi adotado o marxismo-leninismo no lugar do anarquismo.
Nos anos 1920, as contradições da República Oligárquica se mostraram mais intensas. No plano político, surgiram muitas dissidências ao projeto hegemônico da oligarquia de São Paulo – que dominavam política e economicamente o país. Socialmente, o movimento Tenentista mostrava a insatisfação de jovens militares com a política nacional; o mais valoroso líder tenentista é o Cavaleiro da Esperança Luis Carlos Prestes. Enquanto nas galerias de arte, intelectuais, escritores, poetas e pintores prestigiam a Semana de Arte Moderna, nas reuniões operárias surge o Partido Comunista do Brasil (filiado a 3º Internacional).
No fim dos “loucos anos 1920”, vem a maior crise econômica do mundo, iniciada com o crack da bolsa de Nova York. A crise põe em dúvida os rumos da política e da economia brasileira. A oligarquia se dividiu em torno da seguinte questão: que fazer agora? Continuar com o modelo agro-exportador (prejudicado com a crise), ou investir na diversificação da economia nacional, abrindo espaço para maior industrialização? Com a divisão da oligarquia, rompe-se o pacto café com leite (pacto entre as oligarquias de Minas Gerais e de São Paulo para governar o país). Parte da oligarquia paulista quer continuar com a economia exportadora do café, outra parte quer investir na industrialização.
Neste complicado jogo intra-oligárquico, os opositores dos paulistas formaram a Aliança Liberal, encabeçada pelo gaúcho Getúlio Vargas, como candidato a presidente nas eleições de 1930. Os paulistas e seus aliados, lançaram à presidência o candidato Júlio Prestes. Houve fraude de ambos os lados, mas no fim Julio Prestes vence. Vargas e seus aliados da Aliança Liberal recorrem à revolução política: “que se faça a revolução antes que o povo faça”. Mesmo que parte da elite não quisesse uma revolução popular, a Revolução de 1930 foi uma das mais populares da história do Brasil. O povo participou. Operários participaram. A classe média participou. E assim, Vargas se torna presidente. A revolução foi vitoriosa.
O governo de Getúlio vai de 1930 até 1945. Este período se dividiu em momentos de tensão, de extremismos e de efervescência política. Vargas abraça muitas revindicações do PCB, e quase esvazia o movimento comunista. Com a ascensão do nazi-fascismo na Europa, surge no Brasil o integralismo. Há uma tentativa de revolução comunista em 1935, liderada por Luis Carlos Prestes e que acaba fracassando. Em 1937, Vargas decreta o Estado Novo, um período ditatorial. Em 1942 são consolidadas as leis sociais do trabalho  – a conhecida CLT: Consolidação das Leis do Trabalho - que vinham sendo promulgadas desde 1930 com a criação do Ministério do Trabalho. Também neste período os sindicatos são estimulados. A intensão de Vargas é trazer o movimento operário para dentro do processo de industrialização do país, garantindo boas condições de trabalho aos operários da indústria.
Com o fim da segunda guerra mundial (1939-1945), o primeiro governo Vargas chega ao fim. O país clama por uma organização democrática. Vargas é deposto por militares e organiza dois partidos que tem essências distintas: o PSD (Partido Social Democrático), composto por burocratas do Estado Novo e alguns industriais, e o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), composto em sua maioria de operários e sindicalistas. É no PTB que a ideologia trabalhista vai se desenvolver.
Após a fundação do Partido Trabalhista Brasileiro, sob a inspiração de Vargas, o trabalhismo passa por três fases. A primeira que vai mais ou menos de 1947 até 1960 é marcada pela sistematização e elaboração da ideologia trabalhista. A segunda fase, que vai de 1960 até 1964 é marcada pela radicalização dos ideais trabalhistas. A terceira fase, de 1979 até 2004, é marcada pela aproximação e junção do trabalhismo com o socialismo.
A fase de 1947 até 1960 tem como principal figura o teórico Alberto Pasqualini. Trazendo referências que vão do catolicismo ao trabalhismo inglês, Pasqualini elabora uma ideologia trabalhista baseada no que ele chama de capitalismo solidarista. Este capitalismo seria controlado no sentido de se adequar às demandas sociais, diminuindo as desigualdades. O trabalho teria primazia ao capital. O Estado seria conciliador nas lutas de classe. A propriedade privada garantida. Com a morte de Pasqualini, em 1960, a ideologia trabalhista foi se radicalizando muito mais pela prática do que pela teoria. O governo de Leonel Brizola (do PTB) no RS mostrou o quão revolucionário era o trabalhismo brasileiro. Em 5 anos de governo, Brizola construiu escolas, encampou empresas estrangeiras (antes de Cuba fazer sua revolução!) e realizou uma reforma agrária no Estado. E é exatamente a partir da experiência de governo de Brizola, e com a morte do conservador Pasqualini, que o trabalhismo vai se transformar no projeto mais radical da esquerda brasileira.
Inaugura-se, desta forma, a segunda fase do trabalhista brasileiro. É uma fase curta. Dura somente até 1964, pois foi ceifada por um golpe civil-militar.
Ao tomar posse como presidente em 1961 (após a resistência da Legalidade comandada por Leonel Brizola), João Goulart (o Jango) tenta pôr em prática as Reformas de Base. Essas reformas dariam ao Brasil uma nova cara: a de um país mais justo socialmente. Reforma urbana, agrária, econômica e educacional eram as principais pautas das Reforma de Base. Brizola, Neiva Moreira e outros defensores das Reformas de Base eram chamados, nesta época, de nacionalistas revolucionários. Com o golpe de 1964, o projeto trabalhista de nação foi suspenso, caiu-se sobre a sociedade uma longa e cruel ditadura que durou até 1985.
Durante a ditadura, haviam apenas dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB); ambos criados pelos militares. Mesmo que muitos trabalhistas tenham ingressado no MDB, este partido não tinha nenhum grande projeto trabalhista para o país. Ironicamente a população dizia que o partido ARENA era o partido do “sim” e o MDB o partido do “sim senhor”.
Enquanto o Brasil ainda vivia sob as torturas da ditadura, Brizola, exilado político, entrou em contato com as ideias de socialismo e social-democracia em vigor na Europa nos anos 1970. Em Lisboa, no ano de 1979, trabalhistas e socialistas brasileiros, e os exilados, se reuniram para debater os novos rumos do trabalhismo – uma vez que a ditadura estava desgastada e iniciava um processo (“lento, gradual e seguro”) de abertura política. Neste encontro foi redigida a Carta de Lisboa, que se tornou um documento tão importante para os trabalhistas como é a Carta Testamento de Getúlio Vargas. A partir da Carta de Lisboa, os ideais trabalhistas são retomados, mas desta vez como parte de um projeto mais amplo, onde o trabalhismo é o caminho brasileiro para o socialismo; mas não qualquer socialismo, um socialismo original, tipicamente brasileiro, um socialismo moreno. Diz, a Carta de Lisboa: “impõe-se a nossa defesa dos pobres contra os ricos, ao lado dos oprimidos contra os poderosos”.
Quando Brizola e outros líderes recebem a “anistia” do governo militar brasileiro, eles tentam refundar o PTB, uma sigla carregada de história e simbologia. Entretanto, o próprio governo militar dá as três letras que para muitos representava o autêntico trabalhismo, a um grupo de direita, que nada tinha a ver com as lideranças que redigiram a Carta de Lisboa. Brizola e os demais trabalhistas decidem fundar outra sigla. Surge assim o Partido Democrático Trabalhista (PDT), que representa o “auge” da terceira fase do trabalhismo brasileiro. Brizola é eleito governador do Rio de Janeiro, se candidata a presidente em 1989 e até concorre como vice numa chapa com Lula do PT, em 1998. Ao morrer em 2004, Brizola, o último grande líder trabalhista do Brasil, deixou seu legado – o PDT, partido do trabalhismo e do socialismo brasileiro, partido da esquerda nacionalista.
Hoje é preciso que o partido inaugure uma nova fase. Uma fase mais a esquerda. É preciso romper com o sistema neoliberal, ao mesmo tempo implantar reformas políticas e administrativas para que o Brasil chegue ao ideal socialista que Brizola, Darcy e tantos outros trabalhistas defendiam. É preciso que o partido dê espaço a novas lideranças, verdadeiramente comprometidas com a transformação social. Ou inventamos ou erramos, já dizia o educador Simon Rodriguez. Chegou a hora do PDT inventar. Mas inventar a partir da experiência e do legado que o trabalhismo nos deixou. Não podemos nos conformar com um partido distante dos movimentos sociais. A nossa juventude tem a obrigação de ser a vanguarda desta nova fase do trabalhismo no Brasil.



*Historiador e militante da esquerda trabalhista da Juventude Socialista de Porto Alegre






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