
Fábio
Melo*
O
trabalhismo brasileiro surge como uma corrente política juntamente
com os avanços do processo de industrialização no país, a partir
da década de 1930. Nesta época as revindicações operárias se
tornam cada vez mais constantes no cenário político nacional.
As
raízes do trabalhismo brasileiro, entretanto, devem ser buscadas na
virada do século XIX para o século XX. É neste período que
emergem entre os (até então poucos) operários nas grandes cidades
as lutas por melhores condições de trabalho. Estes operários são
influenciados basicamente por 3 ideologias que tem origem na Europa:
o mutualismo, o socialismo e o anarquismo. Até 1917, é o anarquismo
que ganha os corações e as mentes do movimento operário. As greves
deste ano, que estouraram no Brasil inteiro, foram lideradas por
anarquistas. Nada mais apropriado, afinal o Estado brasileiro foi
feito para poucos. As oligarquias governam o país como se
governassem uma empresa privada. Não havia qualquer tipo de amparo
social deste Estado para com os trabalhadores – as jornadas de
trabalho chegavam a durar mais de 12 horas e após anos trabalhando
não se tinha qualquer tipo de previdência social. A Revolução
Russa (1917), modificou as ideias de muitos líderes anarquistas.
Para estes, o movimento operário não deveria mais acabar com o
Estado, mas tomá-lo. Foi adotado o marxismo-leninismo no lugar do
anarquismo.
Nos
anos 1920, as contradições da República Oligárquica se mostraram
mais intensas. No plano político, surgiram muitas dissidências ao
projeto hegemônico da oligarquia de São Paulo – que dominavam
política e economicamente o país. Socialmente, o movimento
Tenentista mostrava a insatisfação de jovens militares com a
política nacional; o mais valoroso líder tenentista é o Cavaleiro
da Esperança Luis Carlos Prestes. Enquanto nas galerias de arte,
intelectuais, escritores, poetas e pintores prestigiam a Semana de
Arte Moderna, nas reuniões operárias surge o Partido Comunista do
Brasil (filiado a 3º Internacional).
No
fim dos “loucos anos 1920”, vem a maior crise econômica do
mundo, iniciada com o crack da bolsa de Nova York. A
crise põe em dúvida os rumos da política e da economia brasileira.
A oligarquia se dividiu em torno da seguinte questão: que fazer
agora? Continuar com o modelo agro-exportador (prejudicado com a
crise), ou investir na diversificação da economia nacional, abrindo
espaço para maior industrialização? Com a divisão da oligarquia,
rompe-se o pacto café com leite (pacto entre as
oligarquias de Minas Gerais e de São Paulo para governar o país).
Parte da oligarquia paulista quer continuar com a economia
exportadora do café, outra parte quer investir na industrialização.
Neste
complicado jogo intra-oligárquico, os opositores dos paulistas
formaram a Aliança Liberal, encabeçada pelo gaúcho
Getúlio Vargas, como candidato a presidente nas eleições de 1930.
Os paulistas e seus aliados, lançaram à presidência o candidato
Júlio Prestes. Houve fraude de ambos os lados, mas no fim Julio
Prestes vence. Vargas e seus aliados da Aliança Liberal recorrem à
revolução política: “que se faça a revolução antes que o povo
faça”. Mesmo que parte da elite não quisesse uma revolução
popular, a Revolução de 1930 foi uma das mais populares da história
do Brasil. O povo participou. Operários participaram. A classe média
participou. E assim, Vargas se torna presidente. A revolução foi
vitoriosa.
O
governo de Getúlio vai de 1930 até 1945. Este período se dividiu
em momentos de tensão, de extremismos e de efervescência política.
Vargas abraça muitas revindicações do PCB, e quase esvazia o
movimento comunista. Com a ascensão do nazi-fascismo na Europa,
surge no Brasil o integralismo. Há uma tentativa de
revolução comunista em 1935, liderada por Luis Carlos Prestes e que
acaba fracassando. Em 1937, Vargas decreta o Estado Novo, um período
ditatorial. Em 1942 são consolidadas as leis sociais do trabalho –
a conhecida CLT: Consolidação das Leis do Trabalho - que vinham
sendo promulgadas desde 1930 com a criação do Ministério do
Trabalho. Também neste período os sindicatos são estimulados. A
intensão de Vargas é trazer o movimento operário para dentro do
processo de industrialização do país, garantindo boas condições
de trabalho aos operários da indústria.
Com
o fim da segunda guerra mundial (1939-1945), o primeiro governo
Vargas chega ao fim. O país clama por uma organização democrática.
Vargas é deposto por militares e organiza dois partidos que tem
essências distintas: o PSD (Partido Social Democrático), composto
por burocratas do Estado Novo e alguns industriais, e o PTB (Partido
Trabalhista Brasileiro), composto em sua maioria de operários e
sindicalistas. É no PTB que a ideologia trabalhista vai se
desenvolver.
Após
a fundação do Partido Trabalhista Brasileiro, sob a inspiração de
Vargas, o trabalhismo passa por três fases. A primeira que vai mais
ou menos de 1947 até 1960 é marcada pela sistematização e
elaboração da ideologia trabalhista. A segunda fase, que vai de
1960 até 1964 é marcada pela radicalização dos ideais
trabalhistas. A terceira fase, de 1979 até 2004, é marcada pela
aproximação e junção do trabalhismo com o socialismo.
A
fase de 1947 até 1960 tem como principal figura o teórico Alberto
Pasqualini. Trazendo referências que vão do catolicismo ao
trabalhismo inglês, Pasqualini elabora uma ideologia trabalhista
baseada no que ele chama de capitalismo solidarista. Este
capitalismo seria controlado no sentido de se adequar às demandas
sociais, diminuindo as desigualdades. O trabalho teria primazia ao
capital. O Estado seria conciliador nas lutas de classe. A
propriedade privada garantida. Com a morte de Pasqualini, em 1960, a
ideologia trabalhista foi se radicalizando muito mais pela prática
do que pela teoria. O governo de Leonel Brizola (do PTB) no RS
mostrou o quão revolucionário era o trabalhismo brasileiro. Em 5
anos de governo, Brizola construiu escolas, encampou empresas
estrangeiras (antes de Cuba fazer sua revolução!) e realizou uma
reforma agrária no Estado. E é exatamente a partir da experiência
de governo de Brizola, e com a morte do conservador Pasqualini, que o
trabalhismo vai se transformar no projeto mais radical da esquerda
brasileira.
Inaugura-se,
desta forma, a segunda fase do trabalhista brasileiro. É uma fase
curta. Dura somente até 1964, pois foi ceifada por um golpe
civil-militar.
Ao
tomar posse como presidente em 1961 (após a resistência da
Legalidade comandada por Leonel Brizola), João Goulart (o Jango)
tenta pôr em prática as Reformas de Base. Essas reformas dariam ao
Brasil uma nova cara: a de um país mais justo socialmente. Reforma
urbana, agrária, econômica e educacional eram as principais pautas
das Reforma de Base. Brizola, Neiva Moreira e outros defensores das
Reformas de Base eram chamados, nesta época, de nacionalistas
revolucionários. Com o golpe de 1964, o projeto trabalhista de
nação foi suspenso, caiu-se sobre a sociedade uma longa e cruel
ditadura que durou até 1985.
Durante
a ditadura, haviam apenas dois partidos: a Aliança Renovadora
Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB); ambos
criados pelos militares. Mesmo que muitos trabalhistas tenham
ingressado no MDB, este partido não tinha nenhum grande projeto
trabalhista para o país. Ironicamente a população dizia que o
partido ARENA era o partido do “sim” e o MDB o partido do “sim
senhor”.
Enquanto
o Brasil ainda vivia sob as torturas da ditadura, Brizola, exilado
político, entrou em contato com as ideias de socialismo e
social-democracia em vigor na Europa nos anos 1970. Em Lisboa, no ano
de 1979, trabalhistas e socialistas brasileiros, e os exilados, se
reuniram para debater os novos rumos do trabalhismo – uma vez que a
ditadura estava desgastada e iniciava um processo (“lento, gradual
e seguro”) de abertura política. Neste encontro foi redigida
a Carta de Lisboa, que se tornou um documento tão
importante para os trabalhistas como é a Carta Testamento de
Getúlio Vargas. A partir da Carta de Lisboa, os ideais trabalhistas
são retomados, mas desta vez como parte de um projeto mais amplo,
onde o trabalhismo é o caminho brasileiro para o socialismo; mas não
qualquer socialismo, um socialismo original, tipicamente brasileiro,
um socialismo moreno. Diz, a Carta de Lisboa: “impõe-se
a nossa defesa dos pobres contra os ricos, ao lado dos oprimidos
contra os poderosos”.
Quando
Brizola e outros líderes recebem a “anistia” do governo militar
brasileiro, eles tentam refundar o PTB, uma sigla carregada de
história e simbologia. Entretanto, o próprio governo militar dá as
três letras que para muitos representava o autêntico trabalhismo, a
um grupo de direita, que nada tinha a ver com as lideranças que
redigiram a Carta de Lisboa. Brizola e os demais trabalhistas decidem
fundar outra sigla. Surge assim o Partido Democrático Trabalhista
(PDT), que representa o “auge” da terceira fase do trabalhismo
brasileiro. Brizola é eleito governador do Rio de Janeiro, se
candidata a presidente em 1989 e até concorre como vice numa chapa
com Lula do PT, em 1998. Ao morrer em 2004, Brizola, o último grande
líder trabalhista do Brasil, deixou seu legado – o PDT, partido do
trabalhismo e do socialismo brasileiro, partido da esquerda
nacionalista.
Hoje
é preciso que o partido inaugure uma nova fase. Uma fase mais a
esquerda. É preciso romper com o sistema neoliberal, ao mesmo tempo
implantar reformas políticas e administrativas para que o Brasil
chegue ao ideal socialista que Brizola, Darcy e tantos outros
trabalhistas defendiam. É preciso que o partido dê espaço a novas
lideranças, verdadeiramente comprometidas com a transformação
social. Ou inventamos ou erramos, já dizia o educador Simon
Rodriguez. Chegou a hora do PDT inventar. Mas inventar a partir da
experiência e do legado que o trabalhismo nos deixou. Não podemos
nos conformar com um partido distante dos movimentos sociais. A nossa
juventude tem a obrigação de ser a vanguarda desta nova fase do
trabalhismo no Brasil.
*Historiador
e militante da esquerda trabalhista da Juventude Socialista de Porto
Alegre
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