sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

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15 anos sem Darcy



DARCY RIBEIRO,
O APÓSTOLO DA EDUCAÇÃO

Darcy Ribeiro é o maior antropólogo brasileiro. É conhecido no mundo inteiro por suas investigações científicas, por sua atuação como educador e até como político, embora a política, para ele, tenha sido o trampolim para a reforma educacional que perseguiu durante boa parte da vida.
Darcy é uma figura da geração de brasileiros que amadureceu no pós-guerra.
Mércio Pereira Gomes o descreve comodono de uma personalidade esfuziante, persistente e hedonista, uma inteligência profusa e imaginativa, uma imensa capacidade de trabalho e um orgulho incontido de ser brasileiro.
Darcy Ribeiro nasceu em Minas gerais, em Montes Claros, no dia 26 de outubro de 1922, no centro do Brasil, filho de Reginaldo Ribeiro dos Santos e Josephina Augusta da Silveira Ribeiro, no mesmo ano em que ocorreu a Semana de Arte Moderna e em que foi criado o Partido Comunista Brasileiro, do qual ele faria parte mais tarde. Perdeu o pai aos três anos de idade, sendo criado, juntamente com o irmão mais novo e pela mãe, professor de escola primária. Cresceu, assim, em um ambiente típico de menino de família tradicional numa pequena cidade mineira, mas liberdade de ação e contato com pessoas de outras classes sociais, o que, provavelmente, originou nele o sentimento de brasilidade, como ocorreu com muitos outros intelectuais de sua geração.
Aos 18 anos mudou-se para Belo Horizonte para cursar Medicina, mas desistiu por insuficiência de aprendizado e desinteresse na profissão. nessa época, acompanhou e participou dos debates que agitavam os universitários de todo o país, sobretudo sobre o dilema entre ser comunista ou integralista.
Na verdade, começou a estudar Medicina para agradar a mãe, mas logo percebeu que estava no caminho errado. Mudou-se para São Paulo, em 1944, onde foi estudar na Escola Livre de Sociologia e Política. Virou etnólogo e abraçou a causa indígena, que tornou conhecido em todo o país. Formou-se em Antropologia em São Paulo, em 1946, e dedicou seus primeiros 10 anos de vida profissional ao estudo dos índios do Pantanal, do Brasil Central e da Amazônia.
Neste mesmo período, fundou o Museu do Índio e estabeleceu os princípios ecológicos da criação do Parque Indígena do Xingu. Escreveu uma vasta obra etnográfica e de defesa da causa indígena. Elaborou para UNESCO um estudo do impacto da civilização sobre os grupos indígenas brasileiros no século XX e colaborou com a Organização Internacional do Trabalho, em 1954, na preparação de um manual sobre os povos aborígenes de todo o mundo. Nos anos seguintes, dedicou-se à educação primária e superior. Criou a Universidade de Brasília - UNB, da qual foi o primeiro Reitor, e foi Ministro da Educação, no Gabinete Hermes Lima. Mais tarde, foi Ministro-Chefe da casa Civil de João Goulart e coordenou a implantação das reformas estruturais quando sucedeu o golpe militar de 1964, que o lançou no exílio.
A propagação de suas ideias rompeu fronteiras. Viveu em vários países da América Latina, conduzindo programas de reforma universitária, com base nas ideias que defende emA Universidade Necessária. Foi assessor do presidente Salvador Allende, no Chile, e de Velasco Alvarado, no Peru. Escreveu neste período os cinco volumes de seusEstudos de Antropologia da Civilização- O Processo Civilizatório; As Américas e a Civilização; O Dilema da América Latina ; Os Brasileiros: 1. Teoria do Brasil; e os Índios e a Civilizaçãocom 96 edições em diversas línguas. Neles propõe uma teoria explicativa das causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos. Ainda no exílio começou a escrever os romancesMaíraeO Muloe, no Brasil escreveu dois outros:Utopia SelvagemeMigo. PublicouAos trancos e Barrancos, que é um balanço crítico da história brasileira de 1900 a 1980. Publicou, também, uma coletânea de ensaios insólitos:Sobre o Óbvioe um balanço de sua vida intelectual:Testemunho. Editou juntamente com Berta G. Ribeiro, aSuma Etnológica Brasileira.
Em 1974, descobriu que tinha câncer no pulmão e dedicou-se toma como pretexto para retornar à pátria amada, o regime militar permitiu a sua volta para que realizasse a cirurgia de que precisava. Driblou o destino, enganou a morte e sobreviveu.
Estabelece-se de vez no Brasil, em 1976, dedicando-se mais uma vez à educação e a política. Elegeu-se Vice-Governador do Estado do Rio de Janeiro, em 1982,juntamente com o Governador Leonel BrizolaPDT, foi Secretário da Cultura e Coordenador do Programa Especial de Educação, com o encargo de implantar 500 Centros Integrados de Educação Pública, que são grandes escolas de turno completo para mil crianças e adolescentes.
 Criou então a Biblioteca Pública Estadual, a Casa França-Brasil, a Casa Laura Alvim, o Centro infantil de Cultura de Ipanema e o Sambódromo, em que colocou 200 salas de aula para fazê-lo funcionar como uma enorme escola primária.
 Elegeu-se Senador da República, em 1991, função que exerceu defendendo vários projetos, entre eles uma lei de trânsito para proteger os pedestres contra a selvageria dos motoristas e uma lei dos transplantes que, invertendo as regras vigentes, torna possível usar órgãos dos mortos para salvar os vivos, bem como uma lei contra o uso vicioso da cola de sapateiro que envenena e mata milhares de crianças.
Entre 1991 e 1992, como Secretário Extraordinário de Programas Especiais do Rio de Janeiro, ocupou-se de completar a rede dos Centros Integrados de Educação Pública ( CIEPS) e de criar um novo padrão de ensino médio, através dos Ginásios públicos. Durante a Conferência Mundial do Meio Ambiente (ECO 92), realizada no Rio de Janeiro, em 1992, implantou o Parque Floresta da Pedra Branca, numa área de 12 mil hectares, para se tornar a maior floresta urbana do mundo.
Em 08 de Outubro de 1992, Darcy Ribeiro passou a ocupar a cadeira n°11 da Academia Brasileira de Letras, assento esse que tem por patrono Fagundes Varela, sendo recebido a 15 de abril de 1993, por Cândido Mendes de Almeida. Neste mesmo ano, publicou pela Biblioteca Ayacucho, em espanhol, e pela Editora Vozes, em português,A Fundação do Brasil, um compêndio de textos históricos dos séculos XVI e XVII, comentados por Carlos Moreira e procedidos de um longo ensaio analítico sobre os primórdios do Brasil.
            Contava, entre suas façanhas maiores, haver contribuído para o tombamento de 96 quilômetros de belíssimas praias e encostas, além de mais de mil casa do Rio antigo. Colaborou na criação do Memorial da América Latina, edificado em São Paulo com projetos de Oscar Niemayer. Gravou discos na série mexicana Vozes da América, e mereceu títulos de Doutor Honoris Causa da Sorbone, da Universidade de Copenhague, da Universidade da República do Uruguai, da Universidade Central da Venezuela e da Universidade de Brasília, em 1995. Em 1995, lançouO Povo Brasileiro, que encerra a coleção de seus Estudos  de Antropologia da Civilização, além de uma compilação de seus discursos e ensaios intituladaO Brasil como Problema. Lançou, ainda um livro para adolescentes,Noções de Coisas, com ilustrações de Ziraldo, que recebeu, em 1996, o Prêmio Malba Tahan de melhor livro Informativo da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil.
Em 1996 publicou, pela Editora Companhia das Letras, seus Diários índios, em que produz anotações que fez durante dois anos (1949/1951) de convívio e de estudo entre os índios Urubus-Kaapor, da Amazônia. Seu primeiro romance, Maíra, recebeu uma edição comemorativa de seus 20 anos, que traz resenhas e críticas de Antônio Candido, Alfredo Bosi, Moacir Werneck de Castro, Antônio Houaiss, Carmen Junqueira e outros especialistas em Literatura e Antropologia. Ainda neste ano, recebeu o Prêmio Interamericano de Educação Andrés Bello, concedido pela OEA a eminentes educadores das Américas.
Elaborou e fez aprovar no Senado e enviar à Câmara dos Deputados a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDB, Sancionada pela Presidência da República, em 20 de Dezembro de 1996, como lei Darcy Ribeiro. Publicou pelo Senado a RevistaCarta, com 16 números editados de 1991 a 1996, como um espaço para discussão dos principais problemas do Brasil, em artigos, conferências e notícias.
Darcy Ribeiro faleceu em Brasília, em 17 de fevereiro de 1997, quando o câncer venceu a batalha final. No seu último ano de vida, dedicou-se especialmente a organizar a Universidade Aberta do Brasil, com cursos de educação à distância, para funcionar a partir de 1997, e a escola superior, para a formação de professores de Ensino Fundamental. Organizou a Fundação Darcy Ribeiro, instituída por ele em janeiro de 1996, com sede própria, localizada em sua antiga residência em Copacabana, com o objetivo de manter sua obra viva e elaborar projetos nas áreas educacionais e cultural. Um dos seus últimos projetos lançado publicamente foi o Projeto Caboclo, destinado ao povo da floresta amazônica.
Seu corpo foi velado no congresso Nacional, em Brasília, e na Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro. Seu féretro foi acompanhado pelas ruas da cidade por uma multidão de amigos e admiradores, e seu enterro no Mausoléu dos Acadêmicos, no cemitério São João Batista, foi realizado bem ao seu gosto, transformando-se, como bem anota Mércio Pereira Gomes, emum verdadeiro happening.
Na sua morte, Leonel Brizola o descreveucomo Apóstolo da Educação:
Meus sentimentos não são diferentes daqueles que, neste momento, tem o povo brasileiro. Especialmente os cariocas e mineiros, as duas terras de Darcy. Perdemos um dos maiores lutadores de todas as causas de nosso país, principalmente a da Educação, da qual ele foi um apóstolo, com quem tive a oportunidade de trabalhar um bom período de nossas vidas. Apesar de nos prepararmos para este momento, não posso deixar de me sentir chocado com a morte de Darcy. Nesses últimos meses em assistimos a uma luta, nunca vista anteriormente, de um homem cheio de esperanças e ideias contra uma doença que a humanidade ainda não conseguiu vencer. Dificilmente terá existido uma pessoa com seu espírito indomável, que tenha marcado tantas posições quanto ele, Darcy. Na polêmica e na coerência, Darcy foi sempre insuperável e , quando todos pensavam que ele iria submergir, surgia ele de novo. Darcy, sem nenhuma dúvida, tem lugar de honra na galeria dos grandes pensadores do povo brasileiro.


Neir Nunes Aves
Cientista Político

Porto Alegre, 17 de Fevereiro de 2012.