O povo vaiou a Globo na avenida
O dia em que o povo vaiou a Rede Globo e aplaudiu Leonel Brizola na avenida
Classificada em
sétimo lugar no desfile das escolas de samba do Grupo Especial em
2014, a Beija Flor não desfilou no último sábado no desfile das
campeãs — o que não acontecia há 21 anos.
A
escola levou para a avenida uma homenagem a Boni, “o astro
iluminado da comunicação brasileira”, e à Globo.
Foi vaiada. “Gritaram o nome de Brizola na avenida”, diz o
diretor de carnaval e harmonia da escola, Laíla.
“Levaram
para o lado da política, e eu não suporto política. Nunca recebi 9
e alguma coisa com a escola cantando do jeito que cantou.”
Brizola, que
foi governador do Rio, ficou célebre por dizer que o que é bom para
a Globo é ruim para o Brasil.
Entre as
celebridados da Globo que desfilaram na Beija Flor estavam Faustão,
Renato Aragão, Toni Ramos, Angélica, Luciano Huck, Miguel
Falabella, Regina Casé, Tarcísio Meira, Regina Duarte e Francisco
Cuoco.
Leia
abaixo o comentário de Paulo Nogueira, editor do DMC
Meu
coração bateu mais alto quando soube que gritaram Brizola na
avenida
Paulo
Nogueira
A passagem mais
interessante que conheço de política une as figuras opostas de
Leonel Brizola e Roberto Marinho na cinematográfica sala de RM na
sede da Globo.
Roberto Marinho
era Roberto Marinho e Brizola era o governador do Rio, eleito mesmo
com a trapaça – o caso Proconsult — que a Globo montou para
desrespeitar a escolha do povo pelas urnas.
Batiam-se por
mundos diferentes, e se detestavam abertamente. Roberto Marinho
convidou um dia Brizola para um almoço, na tentativa de selar uma
trégua.
Deu a Brizola –
gaúcho — a vista mais linda do Rio e do Brasil, aquela que se
tinha de sua sala, e se sentou do outro lado.
Depois de um
breve tempo, Roberto Marinho disse: “Está provado que o senhor não
gosta mesmo do Rio, governador. Eu lhe dei esta vista e o senhor não
se dignou a olhá-la.”
Brizola
imediatamente retrucou: “O senhor estraga qualquer vista, Doutor
Roberto Marinho.”
Este era
Brizola.
Fiquei tocado
ao saber que seu nome foi gritado na avenida no Carnaval do Rio por
pessoas inconformadas com a bajulação abjeta que a Beija Flor fez
em seu desfile a Boni e, por extensão, à Globo.
Brizola venceu,
mais uma vez.
A Beija Flor
depois de muitos anos ficou fora do desfile das campeãs.
Brizola foi, ao
lado de Getúlio Vargas, o maior político da história do Brasil.
Sabia que, para
reformar o país, era preciso desmontar o símbolo supremo da
iniquidade nacional – a Globo.
“O
que é bom para a Globo é ruim para o Brasil”, disse.
Corajoso,
Brizola tentou convencer seu cunhado Jango a resistir militarmente ao
golpe, a partir do Rio Grande do Sul, estado do qual ele fora
governador.
Jango era menos
combativo, e entendeu que a causa estava perdida: muitos brasileiros
morreriam numa guerra civil, e a presença americana do lado dos
golpistas impediria qualquer chance de evitar a queda da democracia.
Mas Brizola não
se rendeu. Recebeu, durante algum tempo, recursos de Cuba para montar
uma operação de resistência.
Documentos
mostram que ele anotava, num papel, como era empregado cada centavo.
Não, a direita não teria ali a chance de dizer que ele se
apropriava dos fundos cubanos para tachá-lo de corrupto.
Era um
brasileiro íntegro, um político visionário, um apóstolo da
justiça social, e é uma imensa pena que não tenha, com a
redemocratização, chegado à presidência.
Buscaram
prejudicá-lo o tempo todo. A sigla que ele simbolizava como ninguém,
o PTB, foi entregue a uma descendente inexpressiva de Vargas, e ele
teve que inventar o PDT para continuar na vida política.
Votei nele em
1989, e foi para mim o fim da era da inocência política. Fiquei
arrasado quando, por escassa margem de votos, ele não passou para o
segundo turno.
Nunca mais
senti o mesmo quando algum candidato em que votei foi batido.
Brizola
disputou a segunda colocação, voto a voto, com Lula.
A vitória
apertada de Lula como que selou o nome de quem representaria, dali
por diante, a esquerda nacional.
Num exercício
tolo, às vezes me pergunto o que teria ocorrido se Brizola tivesse
ido para o segundo turno, em vez de Lula.
A Globo teria
coragem de favorecer Collor e meter medo no oponente, no debate
decisivo, com uma mala em que supostamente estavam denúncias?
A mala – com
denúncias imaginárias – foi vital para que Lula tivesse um
desempenho sofrível no debate. Cada vez que Collor se aproximava
dela, Lula tremia.
Brizola,
presumivelmente, teria denunciado a mala a todos os brasileiros em
pleno debate, caso o mesmo golpe baixo fosse tentado contra ele.
A mim parece
claro que, para o Brasil, a vitória de Brizola teria sido melhor que
a de Lula em 1989.
Brizola teria
enfrentado a Globo, para começo de conversa. Não por não gostar
das novelas, ou da voz de Cid Moreira, ou das piadas de Faustão, mas
por compreender que a Globo é a Bastilha brasileira, o símbolo da
desigualdade e dos privilégios.
Enquanto a
Globo não for desmontada pouca coisa se fará no avanço social
brasileiro, porque a Globo é a guardiã dos privilégios com o
esquema de controle que montou para monitorar a Justiça e o mundo
político.
Lula fugiu da
luta, e isso ficou claro quando compareceu ao enterro de Roberto
Marinho – o homem da mala do debate com Collor – e fez ali uma
eulogia vergonhosa. Completou o serviço decretanto luto oficial de
três dias.
É uma pena que
Lula seja pouco cobrado por um gesto pusilânime e oportunista que
atrasou tanto o combate à desigualdade social.
Fosse cobrado,
teria talvez caído em si, e a sociedade quem sabe ganhasse o prêmio
de uma regulamentação de mídia que impeça uma só empresa de ter
tanto poder em tantos meios.(Até o México enquadrou a Televisa, a
Globo local.)
Voltei no tempo
ao ler que gritaram o nome de Brizola na avenida, em repúdio ao
endeusamento da Globo.
Por minutos,
era um jovem jornalista de 33 anos, como em 89, e talvez meus olhos
míopes tenham ficado marejados com a menção de Brizola, tanto
tempo depois.
Detesto
Carnaval, mas como eu queria estar naquele momento na avenida para
gritar, com o povo, o nome dele, por tudo que podia ter sido e que
não foi quando ele perdeu – Brizola, Brizola, Brizola.
Artigo
publicado
em: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/03/o-povo-vaiou-globo-na-avenida.html 10
de março de 2014.
Classificada em
sétimo lugar no desfile das escolas de samba do Grupo Especial em
2014, a Beija Flor não desfilou no último sábado no desfile das
campeãs — o que não acontecia há 21 anos.
A
escola levou para a avenida uma homenagem a Boni, “o astro
iluminado da comunicação brasileira”, e à Globo.
Foi vaiada. “Gritaram o nome de Brizola na avenida”, diz o
diretor de carnaval e harmonia da escola, Laíla.
“Levaram
para o lado da política, e eu não suporto política. Nunca recebi 9
e alguma coisa com a escola cantando do jeito que cantou.”
Brizola, que
foi governador do Rio, ficou célebre por dizer que o que é bom para
a Globo é ruim para o Brasil.
Entre as
celebridados da Globo que desfilaram na Beija Flor estavam Faustão,
Renato Aragão, Toni Ramos, Angélica, Luciano Huck, Miguel
Falabella, Regina Casé, Tarcísio Meira, Regina Duarte e Francisco
Cuoco.
Leia
abaixo o comentário de Paulo Nogueira, editor do DMC
Meu
coração bateu mais alto quando soube que gritaram Brizola na
avenida
Paulo
Nogueira
A passagem mais
interessante que conheço de política une as figuras opostas de
Leonel Brizola e Roberto Marinho na cinematográfica sala de RM na
sede da Globo.
Roberto Marinho
era Roberto Marinho e Brizola era o governador do Rio, eleito mesmo
com a trapaça – o caso Proconsult — que a Globo montou para
desrespeitar a escolha do povo pelas urnas.
Batiam-se por
mundos diferentes, e se detestavam abertamente. Roberto Marinho
convidou um dia Brizola para um almoço, na tentativa de selar uma
trégua.
Deu a Brizola –
gaúcho — a vista mais linda do Rio e do Brasil, aquela que se
tinha de sua sala, e se sentou do outro lado.
Depois de um
breve tempo, Roberto Marinho disse: “Está provado que o senhor não
gosta mesmo do Rio, governador. Eu lhe dei esta vista e o senhor não
se dignou a olhá-la.”
Brizola
imediatamente retrucou: “O senhor estraga qualquer vista, Doutor
Roberto Marinho.”
Este era
Brizola.
Fiquei tocado
ao saber que seu nome foi gritado na avenida no Carnaval do Rio por
pessoas inconformadas com a bajulação abjeta que a Beija Flor fez
em seu desfile a Boni e, por extensão, à Globo.
Brizola venceu,
mais uma vez.
A Beija Flor
depois de muitos anos ficou fora do desfile das campeãs.
Brizola foi, ao
lado de Getúlio Vargas, o maior político da história do Brasil.
Sabia que, para
reformar o país, era preciso desmontar o símbolo supremo da
iniquidade nacional – a Globo.
“O
que é bom para a Globo é ruim para o Brasil”, disse.
Corajoso,
Brizola tentou convencer seu cunhado Jango a resistir militarmente ao
golpe, a partir do Rio Grande do Sul, estado do qual ele fora
governador.
Jango era menos
combativo, e entendeu que a causa estava perdida: muitos brasileiros
morreriam numa guerra civil, e a presença americana do lado dos
golpistas impediria qualquer chance de evitar a queda da democracia.
Mas Brizola não
se rendeu. Recebeu, durante algum tempo, recursos de Cuba para montar
uma operação de resistência.
Documentos
mostram que ele anotava, num papel, como era empregado cada centavo.
Não, a direita não teria ali a chance de dizer que ele se
apropriava dos fundos cubanos para tachá-lo de corrupto.
Era um
brasileiro íntegro, um político visionário, um apóstolo da
justiça social, e é uma imensa pena que não tenha, com a
redemocratização, chegado à presidência.
Buscaram
prejudicá-lo o tempo todo. A sigla que ele simbolizava como ninguém,
o PTB, foi entregue a uma descendente inexpressiva de Vargas, e ele
teve que inventar o PDT para continuar na vida política.
Votei nele em
1989, e foi para mim o fim da era da inocência política. Fiquei
arrasado quando, por escassa margem de votos, ele não passou para o
segundo turno.
Nunca mais
senti o mesmo quando algum candidato em que votei foi batido.
Brizola
disputou a segunda colocação, voto a voto, com Lula.
A vitória
apertada de Lula como que selou o nome de quem representaria, dali
por diante, a esquerda nacional.
Num exercício
tolo, às vezes me pergunto o que teria ocorrido se Brizola tivesse
ido para o segundo turno, em vez de Lula.
A Globo teria
coragem de favorecer Collor e meter medo no oponente, no debate
decisivo, com uma mala em que supostamente estavam denúncias?
A mala – com
denúncias imaginárias – foi vital para que Lula tivesse um
desempenho sofrível no debate. Cada vez que Collor se aproximava
dela, Lula tremia.
Brizola,
presumivelmente, teria denunciado a mala a todos os brasileiros em
pleno debate, caso o mesmo golpe baixo fosse tentado contra ele.
A mim parece
claro que, para o Brasil, a vitória de Brizola teria sido melhor que
a de Lula em 1989.
Brizola teria
enfrentado a Globo, para começo de conversa. Não por não gostar
das novelas, ou da voz de Cid Moreira, ou das piadas de Faustão, mas
por compreender que a Globo é a Bastilha brasileira, o símbolo da
desigualdade e dos privilégios.
Enquanto a
Globo não for desmontada pouca coisa se fará no avanço social
brasileiro, porque a Globo é a guardiã dos privilégios com o
esquema de controle que montou para monitorar a Justiça e o mundo
político.
Lula fugiu da
luta, e isso ficou claro quando compareceu ao enterro de Roberto
Marinho – o homem da mala do debate com Collor – e fez ali uma
eulogia vergonhosa. Completou o serviço decretanto luto oficial de
três dias.
É uma pena que
Lula seja pouco cobrado por um gesto pusilânime e oportunista que
atrasou tanto o combate à desigualdade social.
Fosse cobrado,
teria talvez caído em si, e a sociedade quem sabe ganhasse o prêmio
de uma regulamentação de mídia que impeça uma só empresa de ter
tanto poder em tantos meios.(Até o México enquadrou a Televisa, a
Globo local.)
Voltei no tempo
ao ler que gritaram o nome de Brizola na avenida, em repúdio ao
endeusamento da Globo.
Por minutos,
era um jovem jornalista de 33 anos, como em 89, e talvez meus olhos
míopes tenham ficado marejados com a menção de Brizola, tanto
tempo depois.
Detesto
Carnaval, mas como eu queria estar naquele momento na avenida para
gritar, com o povo, o nome dele, por tudo que podia ter sido e que
não foi quando ele perdeu – Brizola, Brizola, Brizola.
Artigo
publicado
em: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/03/o-povo-vaiou-globo-na-avenida.html 10
de março de 2014.